Manifestações cutâneas do HTLV-I
A infecção pelos vírus HTLV-I/II encontra-se presente em todas as regiões brasileiras, mas as prevalências variam de um estado para outro, sendo mais elevadas na Bahia, Pernambuco e Pará. As estimativas indicam que o Brasil possui o maior número absoluto de indivíduos infectados no mundo. Estes vírus são transmitidos pelo sangue e agulhas contaminadas, através de relações sexuais e de mãe para filho, especialmente através do aleitamento materno. O HTLV-I causa a leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA), a paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV (TSP/HAM), uveíte associada ao HTLV (HAU) e anormalidades dermatológicas e imunológicas.
Podemos classificar as manifestações dermatológicas associadas ao HTLV-I em: relacionadas ao HTLV-I, relacionadas à imunossupressão e manifestações cutâneas inespecíficas.
A) Manifestações cutâneas de doenças relacionadas ao HTLV-I:
Leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA): caracteriza-se pela presença de lesões cutâneas, sem acometimento visceral, contagem normal de leucócitos e presença de raras células leucêmicas no sangue periférico. As alterações de pele podem ser a primeira manifestação clínica da LLTA precedendo meses ou anos a fase leucêmica aguda.
A LLTA crônica apresenta envolvimento visceral, além do acometimento cutâneo. Algumas lesões precoces podem lembrar, clínica e histopatologicamente, a dermatite seborréica, a psoríase e a alopecia mucinosa. Lesões inespecíficas marcadoras de imunossupressão, como herpes zoster, sarna crostosa e dermatofitose extensa, podem ser observadas. Histologicamente as lesões cutâneas mostram infiltrado dérmico de linfócitos, por vezes pleomórficos e convolutos, semelhantes às células circulantes na LLTA (flower-cells). A LLTA aguda evolui como doença fulminante e mostra acometimento cutâneo e visceral e, por imunossupressão grave, as infecções oportunistas são freqüentes.
Paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-I (TSP/HAM): as manifestações cutâneas na TSP/HAM caracterizam-se pelo achado de xerodermia e ictiose adquirida que, ao lado da hipohidrose, podem estar relacionadas a uma resposta cutânea simpaticomimética alterada por lesão da inervação cutânea periférica. Outros achados seriam eritema palmar persistente e foliculite decalvante. A candidíase perineal é observada nos pacientes com incontinência urinária e as calosidades plantares naqueles com dificuldade de deambulação. Foram observadas alterações cutâneas relacionadas ou não ao acometimento imunológico como xerose cutânea, dermatite seborréica, dermatofitose, eritrodermia, vitiligo, molusco contagioso e erisipela de repetição.
Dermatite infecciosa associada ao HTLV-I: a associação da dermatite infecciosa com a infecção por HTLV-I foi apresentada como eczema agudo em crianças sem qualquer episódio anterior de eczema infantil, predominando no vestíbulo nasal. O couro cabeludo, o pescoço, o ouvido externo, as áreas retroauriculares, as axilas e a região anterior do nariz podem estar lesadas. Caracteriza-se por lesões eritêmatopápulo-crostosas associadas à secreção nasal e, por vezes, a lesões papulosas disseminadas. A cultura da secreção nasal mostra Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Antibióticos controlam a dermatite que retorna logo após a suspensão dos mesmos. A resistência ao tratamento, as exacerbações freqüentes e a infecção por bactérias pouco virulentas favorecem a hipótese da correlação de dermatite infecciosa e imunossupressão. Foi proposto que a dermatite infecciosa seria uma manifestação pré-leucêmica da LLTA.
Linfoma cutâneo de células T (CTCL): caracteriza-se pela proliferação esporádica de células T malignas primárias da pele. Há predomínio de homens com idade média acima de 50 anos. Clinicamente encontram-se desde placas enduradas até nódulos subcutâneos. A doença mostra uma progressão lenta e a disseminação para órgãos internos constitui evento terminal. A associação de HTLV-I com CTCL é discutível. O vírus pode ser detectado na pele dos pacientes portadores de CTCL, mas não no estado de monoclonalidade, que seria fundamental para definir LLTA. LLTA e CTCL seriam diferenciadas pela presença ou pela ausência de monoclonalidade do HTLV-I na pele, respectivamente. Desta forma, é improvável que a presença do HTLV-I seja responsável pela formação de CTCL.
B) Manifestações cutâneas relacionadas à imunossupressão:
Acredita-se que doenças dermatológicas podem surgir em decorrência da imunossupressão causada pelo HTLV-I. Considerando as doenças bacterianas seriam valorizadas a dermatite infecciosa e a foliculite decalvante, entre as viróticas o molusco contagioso e dentre as infecções fúngicas, as dermatofitoses, por vezes disseminadas, seriam indicadoras de imunossupressão. Especial atenção deve se dar à sarna crostosa, que é sabidamente marcadora de deficiência imunológica, sendo observada na LLTA em estágios diversos. A presença de uma doença dermatológica com comportamento atípico, quer pela sua extensão ou por exuberância das lesões clínicas, permite a suspeita de imunossupressão.
C) Manifestações cutâneas inespecíficas:
Há uma série de doenças e sinais cutâneos freqüentes na clínica dermatológica que não se mostram relacionados à infecção por HTLV-I mas, nos doentes infectados pelo vírus, são observados com maior freqüência. Dentre estas, encontram-se eritrodermia, psoríase, dermatite seborréica, ictiose, acantose nigricante e prurigo. Se tais doenças ou sintomas têm comportamento não habitual frente às terapias usuais, deve-se suspeitar a concomitância de uma possível infecção viral, em especial o HTLV-I. Deve-se ter conhecimento da associação de doenças dermatológicas com a infecção pelo HTLV-I, principalmente em áreas endêmicas, para se ter um diagnóstico precoce, evitando a disseminação da doença. Por outro lado, o acometimento cutâneo pode significar por vezes doença em estágio mais avançado, orientando a terapêutica mais agressiva.
Referência:
Carneiro-Proietti AB, Ribas JGR, Catalan-Soares BC et al. Infecção e doença pelos vírus linfotrópicos humanos de células T (HTLV-I/II) no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2002; 35(5): 499-508.
A infecção pelos vírus HTLV-I/II encontra-se presente em todas as regiões brasileiras, mas as prevalências variam de um estado para outro, sendo mais elevadas na Bahia, Pernambuco e Pará. As estimativas indicam que o Brasil possui o maior número absoluto de indivíduos infectados no mundo. Estes vírus são transmitidos pelo sangue e agulhas contaminadas, através de relações sexuais e de mãe para filho, especialmente através do aleitamento materno. O HTLV-I causa a leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA), a paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV (TSP/HAM), uveíte associada ao HTLV (HAU) e anormalidades dermatológicas e imunológicas.
Podemos classificar as manifestações dermatológicas associadas ao HTLV-I em: relacionadas ao HTLV-I, relacionadas à imunossupressão e manifestações cutâneas inespecíficas.
A) Manifestações cutâneas de doenças relacionadas ao HTLV-I:
Leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA): caracteriza-se pela presença de lesões cutâneas, sem acometimento visceral, contagem normal de leucócitos e presença de raras células leucêmicas no sangue periférico. As alterações de pele podem ser a primeira manifestação clínica da LLTA precedendo meses ou anos a fase leucêmica aguda.
A LLTA crônica apresenta envolvimento visceral, além do acometimento cutâneo. Algumas lesões precoces podem lembrar, clínica e histopatologicamente, a dermatite seborréica, a psoríase e a alopecia mucinosa. Lesões inespecíficas marcadoras de imunossupressão, como herpes zoster, sarna crostosa e dermatofitose extensa, podem ser observadas. Histologicamente as lesões cutâneas mostram infiltrado dérmico de linfócitos, por vezes pleomórficos e convolutos, semelhantes às células circulantes na LLTA (flower-cells). A LLTA aguda evolui como doença fulminante e mostra acometimento cutâneo e visceral e, por imunossupressão grave, as infecções oportunistas são freqüentes.
Paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-I (TSP/HAM): as manifestações cutâneas na TSP/HAM caracterizam-se pelo achado de xerodermia e ictiose adquirida que, ao lado da hipohidrose, podem estar relacionadas a uma resposta cutânea simpaticomimética alterada por lesão da inervação cutânea periférica. Outros achados seriam eritema palmar persistente e foliculite decalvante. A candidíase perineal é observada nos pacientes com incontinência urinária e as calosidades plantares naqueles com dificuldade de deambulação. Foram observadas alterações cutâneas relacionadas ou não ao acometimento imunológico como xerose cutânea, dermatite seborréica, dermatofitose, eritrodermia, vitiligo, molusco contagioso e erisipela de repetição.
Dermatite infecciosa associada ao HTLV-I: a associação da dermatite infecciosa com a infecção por HTLV-I foi apresentada como eczema agudo em crianças sem qualquer episódio anterior de eczema infantil, predominando no vestíbulo nasal. O couro cabeludo, o pescoço, o ouvido externo, as áreas retroauriculares, as axilas e a região anterior do nariz podem estar lesadas. Caracteriza-se por lesões eritêmatopápulo-crostosas associadas à secreção nasal e, por vezes, a lesões papulosas disseminadas. A cultura da secreção nasal mostra Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Antibióticos controlam a dermatite que retorna logo após a suspensão dos mesmos. A resistência ao tratamento, as exacerbações freqüentes e a infecção por bactérias pouco virulentas favorecem a hipótese da correlação de dermatite infecciosa e imunossupressão. Foi proposto que a dermatite infecciosa seria uma manifestação pré-leucêmica da LLTA.
Linfoma cutâneo de células T (CTCL): caracteriza-se pela proliferação esporádica de células T malignas primárias da pele. Há predomínio de homens com idade média acima de 50 anos. Clinicamente encontram-se desde placas enduradas até nódulos subcutâneos. A doença mostra uma progressão lenta e a disseminação para órgãos internos constitui evento terminal. A associação de HTLV-I com CTCL é discutível. O vírus pode ser detectado na pele dos pacientes portadores de CTCL, mas não no estado de monoclonalidade, que seria fundamental para definir LLTA. LLTA e CTCL seriam diferenciadas pela presença ou pela ausência de monoclonalidade do HTLV-I na pele, respectivamente. Desta forma, é improvável que a presença do HTLV-I seja responsável pela formação de CTCL.
B) Manifestações cutâneas relacionadas à imunossupressão:
Acredita-se que doenças dermatológicas podem surgir em decorrência da imunossupressão causada pelo HTLV-I. Considerando as doenças bacterianas seriam valorizadas a dermatite infecciosa e a foliculite decalvante, entre as viróticas o molusco contagioso e dentre as infecções fúngicas, as dermatofitoses, por vezes disseminadas, seriam indicadoras de imunossupressão. Especial atenção deve se dar à sarna crostosa, que é sabidamente marcadora de deficiência imunológica, sendo observada na LLTA em estágios diversos. A presença de uma doença dermatológica com comportamento atípico, quer pela sua extensão ou por exuberância das lesões clínicas, permite a suspeita de imunossupressão.
C) Manifestações cutâneas inespecíficas:
Há uma série de doenças e sinais cutâneos freqüentes na clínica dermatológica que não se mostram relacionados à infecção por HTLV-I mas, nos doentes infectados pelo vírus, são observados com maior freqüência. Dentre estas, encontram-se eritrodermia, psoríase, dermatite seborréica, ictiose, acantose nigricante e prurigo. Se tais doenças ou sintomas têm comportamento não habitual frente às terapias usuais, deve-se suspeitar a concomitância de uma possível infecção viral, em especial o HTLV-I. Deve-se ter conhecimento da associação de doenças dermatológicas com a infecção pelo HTLV-I, principalmente em áreas endêmicas, para se ter um diagnóstico precoce, evitando a disseminação da doença. Por outro lado, o acometimento cutâneo pode significar por vezes doença em estágio mais avançado, orientando a terapêutica mais agressiva.
Referência:
Carneiro-Proietti AB, Ribas JGR, Catalan-Soares BC et al. Infecção e doença pelos vírus linfotrópicos humanos de células T (HTLV-I/II) no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2002; 35(5): 499-508.